Programação Preparatória ao Colóquio Blanchot que acontecerá em Belém, 28, 29, 30 de março. |
Quando estou só, não sou eu que estou aí e não é de ti que fico longe, nem dos outros, nem do mundo. Não sou o indivíduo a quem aconteceria essa impressão de solidão, esse sentimento dos meus limites, esse tédio de ser eu mesmo.
Quando estou só, não estou aí. Isso não
significa um estado psicológico, indicando o desaparecimento, a supressão desse
direito de sentir o que sinto a partir de mim mesmo.
Não é que eu seja um pouco menos eu mesmo,
é o que existe "atrás do eu", o que o eu dissimula para ser
em si.
Quando
sou, ao nível do
mundo, aí onde são
também as coisas e os seres, o ser está profundamente dissimulado.
Essa
dissimulação pode tornar-se trabalho, negação. "Eu sou" (no mundo)
tende a significar que somente sou se posso separar-me do ser: negamos o ser —
ou, para esclarecê-lo por um
caso particular, negamos, transformamos a natureza — e, nessa negação que é o
trabalho e que é o tempo, os seres realizam-se e os homens erguem-se na
liberdade do "Eu sou".
O que me faz eu é essa decisão de ser quando
separado do ser, o ser sem
ser, o ser isso que nada
deve ao ser, que recebe seu poder da recusa de ser, o absolutamente "desnaturado",
o absolutamente separado,
isto é, o absolutamente absoluto.
Esse
poder pelo qual me afirmo renegando o ser é real, entretanto, na comunidade de
todos, no movimento comum do trabalho e do trabalho do tempo.
"Eu
sou", como decisão de ser sem ser, só tem verdade porque essa
decisão é minha a partir de todos, porque se concretiza no movimento que ela
possibilita e torna real: essa realidade é sempre histórica, é o mundo que é
sempre realização do mundo.
Eu sou
o que não é, aquele que cometeu secessão, o separado, ou ainda, como se disse,
aquele em quem o ser é discutido.
Os
homens afirmam-se pelo poder de não ser: assim agem, falam, compreendem, sempre
outros que não são eles e que escapam ao ser por um desafio, um risco, uma
luta que vai até à morte e que é história.
Foi o
que Hegel mostrou. "Com a morte
começa a vida do espírito." Quando a morte se torna poder, começa o
homem, e esse começo diz que, para que exista o mundo, para que haja seres, é
necessário que o ser falte.
Maurice Blanchot | O Espaço Literário (1986)
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