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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

BRIGITTE GRIGNA
“L’instant de ma mort” – Maurice Blanchot: uma homenagem

Solange Rebuzzi[ 1]


No final de junho de 2002, chegando a Paris, qualquer leitor encontraria a vitrine da livraria PUF[ 2] – no Boulevard Saint Michel – completamente ocupada com a obra de Maurice Blanchot. Eram fotos, cartas, alguns objetos pessoais e livros - muitos livros. Lá dentro, uma enorme mesa próxima à porta exibia em pilhas, os livros do nomeado “último escritor”.
Encantada e assustada eu mexi lentamente nos livros, e toquei-os com extremo cuidado, indagando-me: “por que os livros de Blanchot e a incrível vitrine estão assim expostos?”
Entre os livros que consegui escolher para adquirir – um pequenino e re-editado pela Gallimard recentemente – “L’instant de ma mort” – de apenas 9 páginas.


O livro


Este pequeno livro conta, em narrativa de primeira pessoa, que um jovem – um homem ainda jovem – foi impedido de morrer pela morte mesma...
e o pequeno récit persegue detalhes do dia de um jovem francês, no final da Segunda Grande Guerra. Algumas reflexões fragmentadas traduzem os instantes, talvez vividos – quem sabe?!
O jovem francês é colocado diante do pelotão de fuzilamento de soldados alemães nazistas, que pretendiam executá-lo ali mesmo, em frente à sua família (às mulheres da família). Exposto e percebendo a morte tão próxima, o jovem relata que sentiu uma leveza extraordinária: – “o encontro da morte e da morte ?” Para afirmar em seguida: “uma espécie de beatitude (nada feliz todavia).”
Ao terminar a narrativa do livro, ele declara:
– “Seria isto a guerra: a vida para alguns, para outros a crueldade do assassinato”.(L.i. d. m. M, p.15)
No livro publicado pela primeira vez em 1994, pela pequena editora Fata Morgana, o leitor se depara com o compasso/descompasso da experiência com a violência e o trauma. Um relato que retorna na escrita, em sua possibilidade de se fazer inscrever. Mas Blanchot viveu, e viveu até os 95 anos de idade. E no percurso de sua escrita, encontramos um combate que faz trabalhar o que testemunha e o que se escreve em silêncio, no texto em fragmento. Falando do que não se diz linearmente, e não se diz todo, o escritor conclui:
“Que importa. Só permanece o sentimento de leveza que é a
morte mesma, ou para dizer mais precisamente, o instante
de minha morte que a partir deste momento sempre
persiste”.
(L.i.m.M, p. 18)
No que persiste e insiste – um impossível se apresenta. Blanchot percorre “o instante” em seu desdobrar obra – escreve e pensa sobre a morte e o morrer neste texto ficcional, poético e teórico – inclusive, sobre a própria morte.
Alguns personagens como “J” do livro L’arrête de mort,[ 3] escrito em 1948também chegam a nos chocar pela intensa dor, enquanto o narrador se confessa inteiramente tomado pela experiência do morrer:
“Quem me desviou do caminho? Meu espírito justo. Quem faz com que agora, cada vez que meu túmulo se abre, eu encontre nele uma ideia bastante forte para reviver? O próprio riso sarcástico de minha morte. Mas saibam que lá aonde vou, não há obra, nem sabedoria, nem desejo, nem luta; lá onde entro,
ninguém entra. Este é o sentimento do último combate”.
(P.d.M, p.80)
A palavra de Maurice Blanchot permanecerá entre nós – com o assombro que não se apagará em nossa memória – e da morte do “último escritor” nada sabemos. Um “nome familiar e estranho” como nos disse Derrida[ 4], de alguém que deu um testemunho sempre nos fazendo pensar. Podemos, hoje, dizer que “ele morre sem desaparecer mais ainda que desapareceu sem morrer”.
Permanecemos com o seu vestígio...
A Maurice Blanchot em sua
invisibilidade,
merci!
Texto lido em homenagem ao escritor Maurice Blanchot, na Escola Letra Freudiana, logo após sua morte.

Notas:
[ 1] Poeta e Psicanalista.
[ 2] PressUniversitaire de France, livraria e editora, em Paris.
[ 3] Traduzido no Brasil como Pena de morte pela editora Imago, por Ana de Alencar.
[ 4] Un témoin de toujours, título do texto pronunciado pelo filósofo Jacques Derrida, no momento da incineração do escritor Maurice Blanchot no dia 24 de fevereiro de 2003, na França.

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