COLÓQUIO BLANCHOT: LITERATURA, AMIZADE: UMA VIDA
Dez anos da Morte de Maurice Blanchot
Nilson Oliveira, Curador do Colóquio
Maurice Blanchot
atravessou o último século e deixou um valioso lastro de contribuição, tanto na
literatura, quanto no pensamento, constituindo uma referência inteiramente
singular nas formas de pensar a experiência literária. Blanchot se revela um autor-leitor, ao mesmo
tempo em que convoca, além de si mesmo, na amizade, sua comunidade literária, notadamente
com Mallarmé, Hölderlin, Kafka, René Char, Bataille, para escrever com ele. Dessa
maneira, efetua uma relação entre a amizade – a tentativa de abordar o outrem –
e o escrever, e desse convívio criam-se momentos em que algo é lido/escrito ou
que alguém escreve/lê – uma conversa vencida pelo extenuamento, que, por sua
vez, transforma a conversa, e retira-lhe o comum, a troca, ao possibilitar no
ato da escrita outra partilha.
Blanchot, a partir de um
projeto de escrita que se dobra simultaneamente entre a crítica e a ficção [numa investida que explora, para além
das possibilidades, a destruição dos gêneros], deflagra uma miríade de
experimentações, por entre obras e autores – em abordagens marcadas por uma
singularidade – com os quais produz noções como: Fora, Desdobramento, Neutro, Amizade. Com isso, provoca uma verdadeira fissura no pensamento literário, e influencia toda
uma geração de escritores, de artistas, e de pensadores da segunda metade do
século XX.
Dentre tantos encontros,
destacam-se os de Blanchot com Bataille [comunidade dos sem comunidade]; com
Emanuel Levinas, Marguerite Duras, Robert Antelme [marcados pelo silêncio
intolerável dos campos de concentração]; e com Dionys Mascolo, Maurice Nadeau
[geração da desobediência civil – Manifesto 121 – em favor da libertação da
Argélia (60) e dos combates do maio (68) francês]. E em cada um desses
encontros foi, paradoxalmente, ativo, generoso, distante. Manteve com esta
Comunidade uma efetiva ética da Amizade.
Esse sentimento, essa
afetividade tecida e atada por laços de Pensamentos, sem divisão e sem
reciprocidade. Amizade cujo comum
foi, mais que uma generosidade trivial, a inseparável distância. No colocar-se,
efetivamente, ao outro, àquele que, como no poema de Rilke, reside na condição
de quem sempre parte. Os errantes, esses
ainda mais passageiros do que nós mesmos. Pressionando desde cedo.
Além disso, destaca-se
que Blanchot – através de análises que romperam com os limites entre Literatura
e Filosofia – exerceu uma Influência Ativa em pensadores como Michel Foucault,
Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Roger Laporte, Jean-Luc Nancy. Como bem ilustra Deleuze [1998, p. 34] [na
conexão Blanchot/Foucault]: “Foucault sempre reconheceu uma dívida em relação a
Blanchot. Ela talvez se divida em três pontos: FALAR NÃO É VER, diferença que
faz com que se dizendo o que não se pode ver, leve-se a linguagem a seu extremo
limite. A seguir, a superioridade da terceira pessoa, o ELE ou o NEUTRO, o SE,
em relação às duas primeiras. Por fim, o tema do FORA: a relação, que é também
NÃO RELAÇÃO, com um FORA mais longínquo que todo o mundo exterior, e por isso
mesmo próximo de todo mundo interior”.
Com isso, percebe-se que
a Literatura em Blanchot é invenção de Uma Vida, maneira de dar passagem a
múltiplas possibilidades dessa vida, numa relação inteiramente desapossada do
Uno, na qual o Experimento do ato Criativo extravasa uma potência Vivível ou
Vital. Experiência de acesso ao que existe de mais singular no pensamento da
Arte/Literatura, fio condutor de intensivos deslocamentos, território por
excelência da Imanência de Uma Vida.
Para Blanchot, o
pensamento daquele que é próximo abre-se, na amizade, para seu amigo, mas
permanece inacessível não somente porque a vida é movente, mas porque a vida
acolhe a estranheza do fim em sua iminência infinita. Assim, o Colóquio Literatura/Amizade: Uma Vida – 10 anos da morte de Maurice Blanchot – propõe-se,
em forma de homenagem ao escritor francês, abordar Nele o conceito de Amizade. E no rastro deste conceito
investigar os efeitos múltiplos da relação entre Blanchot e a Literatura, numa
investida engendrada por pesquisadores e especialistas, cujo leitmotiv consiste em celebrar os 10
anos da Morte do escritor, mas em movimento contínuo para além-fim, o constante
devir.
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