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domingo, 10 de março de 2013




M. Blanchot como o imagino

(…) Algumas palavras pessoais. Não sei quem é Blanchot. Quando o comecei a ler, já ele era, e eu começava a ser nos textos dele. O importante, contudo, está neste «já ele ser», porque desde sempre (ou, para sermos mais rigorosamente imprecisos: desde esse momento indeterminável em que o li pela primeira vez), o facto de ele ser correspondia, pelo menos para mim, a ele deixar-se ser e deixar de ser.

Deixar-se ser, isto é, deixar que alguma coisa de si exista partilhável pelos outros, mas não fazer desta existência nenhum acto voluntário, nenhum projecto, nenhuma intencionalidade precisa – apenas um abandono, um desapego, uma distracção (mas: «sinto em viver um prazer sem limites»). 

Simultaneamente, deixar de ser, para Blanchot, é um movimento incessante de passar para a margem da sombra, da invisibilidade, da imensa noite do mundo, numa queda horizontal, deslizante e serena, clandestina e desdramatizada, por uma metódica eliminação dos sinais, cicatrizes, restos, despojos, feridas visíveis, até ficar, espectral, fosforescente, a moldura do nada (e: «terei ao morrer uma satisfação sem limites»). Talvez o decisivo esteja nesta indicação de «sem limites», que pode querer dizer que o movimento se faz para além de todos os limites, mas significa também que o movimento indiferencia os limites entre a vida e a morte, criando um espaço de indiferenciação que (só ele) permite pensar a diferença que o ilimita. No sentido exacto em que Blanchot nos previne de que há coisas que só são pensáveis através do desejo de as pensarmos.

Mas não saber quem é Blanchot começa por ser não saber que rosto assume na claridade de cada dia. De certo modo, ninguém o viu. Os que falam dizem apenas que o entreviram (ou, noutros casos mais repassados de intimidade, entredizem apenas que o viram). Perguntei a Georges Mounin e ele respondeu: tive com ele uma polémica a propósito de René Char, tentei falar-lhe, mas na Nouvelle Revue Française explicaram que era impossível, que nunca aparecia, que os textos se trocavam através de uma caixa de correio, abandonados misteriosamente, recolhidos misteriosamente, num comércio quase anónimo. Perguntei a Duras, e ela respondeu: veio a minha casa muitos anos, estávamos juntos muitas vezes, uma vez por semana, às vezes nunca, quando não era possível, e depois deixou de ser possível, e ele não veio mais, a última vez que o vi foi em Maio de 68, continuava como sempre foi, «alto e magro como um deportado». Insinuo que poderia corresponder à personagem de Stein em Détruire, dit-elle (no cinema: Michel Lonsdale), e a resposta é: talvez. Pergunto a Jacques Derrida, e ele responde: lembro-me vagamente de o ter visto uma vez, e depois escrevemo-nos, mas ele escreve-me sempre como se fosse a última vez. Donde, não se trata apenas de um rosto de que não se conhece fotografia, mas de um rosto que não imprime mais do que a própria pressão de uma infinita ausência.

  

Por Eduardo Prado Coelho 

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